quinta-feira, 21 de outubro de 2010

em resposta à exaltação dos pornógrafos de ouro

publicado como resposta à exaltação dos pornógrafos de ouro no site do nassif, hoje, por ocasião da morte do fundador da Penthouse


Não são só os puritanos que comemoram não. as e os feministas comemoram também. Não por serem puritanos, pelo contrário. Mas por entender que as relações sexuais devem se dar consensualmente, entre adultos e com igualdade entre gêneros. Você já parou para refletir por que praticamente só há revista/ filme, etc. pornográfica voltada para o público masculino? Comemorar este senhor que morreu  e Larry Flint como libertários é mais uma evidência da lógica torta que impera nos EUA e inclusive em um espectro amplo da 'esquerda' brasileira. É natural, dirão tantos, que seja o corpo da mulher a ser explorado. Que seja ela a ser retratada primordialmente como uma carne que deve servir aos anseios daquele dotado de falo. Afinal, 'a beleza está na mulher'. Afinal, o homem, sujeito ativo, é 'quem come', é 'quem consome', nunca que é objeto, nunca que é consumido, nunca que é comido. Ora, dirão de novo, 'isto é da natureza das coisas'. E assim contentam-se felizes em apoiar esta indústria que faz de mulheres carnes e de homens caçadores. Parabéns a todos os homens esclarecidos que enchem a boca para falar que votam em Dilma mas não admitem nunca que a mulher saia de sua subordinação sexual. Que não conseguem se relacionar com a mulher como igual, pelo menos na cama. Parabéns aos homens que não precisam estremecer, pois mesmo quando uma mulher está a se tornar presidente da república, tem seu lugar de macho garantido, cômodo. Ora, dirão, de novo, feministas são puritanas. Claro. É muito saudável se convencer com este argumento, não conseguir distinguir nada, e falar isto de quem encampa e encampou, historicamente, a descriminalização do aborto, as mudanças estruturais na família e na cultura sexual. Muito saudável para manter o seu lugar esplêndido e imaculado, cujo centro é o falo. Mas nos vamos comemorar mesmo no dia em que estes papéis tão estáticos, tão conservadores em relação à longa história da subordinação feminina, não fizerem mais sentido. Aí religiosos de todos os espectros que cultivam a dupla moral tão amada pelo falo, se sentirão deslocados do planeta.  

terça-feira, 19 de outubro de 2010

é nas eleições que gatos de todas as colorações saem de suas tocas...

Há tempos venho cogitando montar um blogzito, e sempre tropeço por achar que 'não teria meu nicho', já que alguns excelentes blogs suprem em boa parte tudo o que eu acho que deve ser dito (e também são devidamente visitados- alguns deles eu sigo). Também me pego pensando às que eu faria melhor se apenas acompanhasse estes e outros meios, e aprendesse mais do que me expressasse. É claro que repensei a questão umas outras tantas vezes em que não me senti contemplada por nenhum deles. E agora, José? (ainda no significado antigo e universal que esta expressão tinha antes das eleições). Mas foi o pleito de 2010 que definiu que eu finalmente encamparia escrever um pouco e não só reter meus pensamentos para mim. Tive uma vontade enorme de me expressar. Em um primeiro momento, devido aos e-mails apócrifos difamatórios que circulavam impunemente na "lista de discussão" da família, que virou um palanque da direita sórdida que faz as vezes de cães de ataque para o PSDB. Note-se que a lista, em princípio, não tinha qualquer cunho político. Já vinha, claro, servindo de meio de propagação a pessoas deselegantes, que se veem no mais pleno direito de encher a caixa postal dos outros de escritos muito duvidosos, escritos via de regra em letras garrafais, cores berrantes e fazendo uso extensivo de pontos de exclamação.  O estilo por si já me intrigava e irritava antes. Não acredito que algum analista de discurso ou estética não interpretasse a mera escolha destes traços como um autoritarismo, uma vontade de imposição. Que, devo deixar bem claro, é diferente de uma vontade de convencimento. Ainda por cima, havia a questão da lista. "Pô", eu pensava, "será mesmo que este cara não percebe que ele invade o espaço daqueles que não concordam com ele, ou que simplesmente não querem receber assuntos políticos em um espaço não político ou simplesmente não concordam com o jeito autoritário de expressar pensamentos?" É relevante frisar que a voz dos "repassadores" de e-mails, sua própria voz, jamais se fez ouvir. E o diálogo supõe alguma igualdade entre os interlocutores. Sei que há pessoas no grupo descontentes com a atitude unilateral e bonapartistas dos ditos cujos membros. Mas não sei se há membros simpatizantes do espectro político progressita que até agora silenciaram... Acredito que eles possivelmente existam, embora possivelmente em pequeno número, dado justamente o perfil sócio-econômico e geográfico dos integrantes da lista. Fato é que ninguém, entre numerosos membros, ousou repudiar a atitude acima descrita, de abuso de lista familiar e incentivo à difamação apócrifa. O que, por outro lado, não é supreendente, porque, de novo, e-mails deste gênero não dão espaço para o diálogo. São pura vociferação de supostas verdades ululantes. 
Montei o blogzito quando percebi que havia pessoas com as quais eu gostaria de conversar amigavelmente sobre o pleito (a maioria de posição oposta a minha), mas que a conversa um a um tomaria um tempo imenso. Também por que fiquei um pouco assustada porque tive a impressão de que muitos tomaram por óbvia minha adesão ao projeto tucano, e com isto mostraram um grande desconhecimento de mim. Ou então me mandaram e-mails apócrifos difamatórios, sim, especialmente direcionados a mim, e neste sentido mostraram-se incrivelmente distantes de saber quem sou. É curioso como, durante o convívio cotidiano, pouco se discute sobre política, mas uma hora, e a hora é agora, ela acaba caindo no colo. Aqui, no "meu cantinho" ou "lar virtual" posso abrigar um espaço de discussão e comunicar minhas posições e pensamentos, sem temer me equiparar àqueles que são meu anti-exemplo em termos de discussão política, os famigerados repassadores de e-mails difamatórios, apócrifos ou simplesmente falsos e sem nenhuma base na realidade. Não só agora, mas daqui para frente. Porque gostaria de desfazer este 'gap' de percepção, e gostaria também de dialogar, em termos civilizados, obviamente. 

três cenas paulistanas em uma semana

No tempo de uma semana presenciei algumas cenas paulistas, não muito diferentes de tantas outras, talvez até bem piores. De qualquer forma, penso que são significativas. Na semana passada fui almoçar em um restaurante para o qual eu vou às vezes.
1.  Já na chegada percebi um cheiro muito fétido. O dia estava relativamente quente e o restaurante cheio. Perguntei porque não era possível abrir as janelas. "Por causa do cheiro", disse a moça. Haviam espalhado tanto lixo, de um mal-cheiro tão tenebroso na rua, que a escolha era: morrer de calor no restaurante, ou ter o seu apetite estragado justamente durante a refeição. Não faço ideia quem foi o autor da sujeira. Mas sei que resídios humanos de todos os tipos, caninos também, além de lixo são uma característica desta região a 2 ou três quadras do símbolo paulistano, a avenida Paulista. O que isto me diz? Não isoladamente, claro, mas no contexto desta cidade onde vivo já há três anos? Que tudo de imundo, fétido e feio nas ruas é aturado, contanto que o consumo permaneça intocado. Este é o espírito que percebo.
2.  O segundo episódio ocorreu hoje mesmo. E não foi desagradável. Andava pelas ruas do Itaim, exuberantes em sua riqueza, embora não para o meu gosto pessoal. Vi então um rio, eu diria até bastante caudaloso por se tratar de um 'rio de rua'. Ocupava a largura que vai dos pneus esquerdos aos direitos dos carros. Gostei do que vi, instintivamente, antes de raciocinar. Lamentei quando percebi há quanto tempo não podia contar com um elemento singelo deste no meu cotidiano como um rio fresquinho e limpo. E lembrei-me que ali, em plena rua, o tal rio não podia ser coisa boa. Havia chovido? Recorri a minha memória e me parecia impossível que o rio tivesse se formado por obra da natureza. Então lembre de outro riozinho, este 'menos caudaloso' que por muitos meses (talvez 18!) me intrigou nos jardins. Também lá o rio era de água cristalina. Na época lembro de ter chegado à conclusão, com ajuda de uma reportagem da CBN, de que se tratava de água desperdiçada pela construção civil. Limpinha... é possível que tenha sido o caso da água do Itaim também. Como pode, por tanto tempo não se reaproveitar esta água...!
3. Este episódio é muito banal. E ainda assim, significativo, a meu ver. Noutro ponto do Itaim eu procurei andar na calçada em um dia de chuva. Foi difícil. Por quê? Ora, porque volta e meia o meu guarda-chuva não "cabia" na calçada. Era exprimido entre as grades dos prédios e alguma árvore (na verdade às vezes palmeiras finíssimas). A frente de tantos prédios luxuosos do Itaim não comportam um... guarda-chuva! Naturalizamos isto, indo para a rua, que não é lugar de pedestre. Mas se não cabe guarda-chuva, não cabe pai com filho de mão dada, não cabe carrinho de bebê, não cabe a cadeira do cadeirante. Namorados também não cabem. Tem que passar em fila indiana. Isto porque estamos falando dos padrões civilizatórios demandados pelo luxo paulistano. Aquele que escala para a estratosfera em termos de consumo e que se orgulha o PSDB. Não me surpreende nem um pouco este tipo de opção da elite brasileira (ou melhor, paulistana). Mas segue me chamando a atenção, apesar do devido adestramento e acomodação que se sofre quando se opta por viver aqui.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

dança, aula e democracia

hein?!!! a maioria das pessoas, penso, preferiria atrelar dança à psicologia... eu, como boa homo siociologicus não quero me escapar da minha seara. Pois bem. Hoje a prof lindinha de dança começou a falar, falar e no começo tinha a ver com dança o papo todo. Mas num dado momento passou para os conflitos que aconteciam no grupo que ensaia para a coreografia de final de ano. E aí... foi difícil pôr um breque. Algumas alunas tinham ânsia de falar e... falaram! Sentiram que podiam falar. Não é muito raro isto? A tal prof lindinha ameaçou várias vezes ao aparelho de som, quer dizer, à rotina. Mas entendeu que a ânsia de falar não tinha se esgotado. E então, mais pro final, eu falei também. Que bom. Na minha avaliação é raro que alguém deixe que se fale, pois falar tantas vezes é visto como um 'desperdício'. A democracia, toda ela assim, corre o risco de virar um puro desperdício. E é na democracia, não a representativa, mas a cotidiana, que aparecem 'as psicologias', que são lindas, mas só existem socialmente. Na minha experiência, vejo que tantas vezes este momento de desabafo democrático é visto como importante, mas só teoricamente. Raramente existem pessoas, entre eles educadores, mas também em outros lugares, que acham que esta experiência vale o preço  que se paga por ela. Para mim vale cada centavo. É revigorante e colhe-se no futuro muito imediato e também no futuro longínquo este hábito de falar, expor, sem limitação de tempo, sem a pressão da rotina. 




PS.1 Não recrimino quem talvez tenha achado um saco a coisa toda. Há momentos. Tem dias que só quero dançar e não quero resolver ou expor nenhum problema. É difícil que os ânimos de todos se encontrem sempre. Para consolo de vocês, acho que foi bom para os outros, e a vez de vocês chegará :) 


PS2. Curiosamente nesta semana veio a público a dançarina chamada Sheila Ribeiro, indignada com a incoerência (para usar uma palavra bem light!) de Mônica Serra sobre o aborto. Mônica era professora no curso de dança da UNICAMP e teria contado às alunas sobre o trauma deixado no corpo por ter feito um aborto. Uma prática tão legal... e agora joga no lixo os traumas vividos por outras milhões de mulheres, transformando-as em criminosas contra a vida e ponto. Sinal de que só minha 'democracia dançarina' não é uma panacéia, hehe. 

sobre por quê dar um tempo na mídia às vezes

Já fui criticada por não dar "a devida atenção" aos meios midiáticos tradicionais. Vejo que para o meu pai e o meu avô, por exemplo,  leitura diária do jornal faz talvez parte da própria constituição do homem burguês, como o seu passaporte para a vida pública mais ampla, já que ser homem com alguma posição na sociedade já era por si só pertencer à vida pública. Não lê-los significa estar 'fora do mundo'. Curiosamente, todos partem do pressuposto de que sabem avaliar as notícias transmitidas. Elas não precisam de uma visão de mundo para ser lidas. A verdade é que inevitavelmente precisam, porém é a própria visão de mundo que parece não carecer de sofisticação. As notícias são cristalinas como água, e a visão de mundo de quem as consome parece ser transparente. Como pode haver engodos em uma realidade tão límpida? O comportamento que acompanha o tradicional leitor de jornais, mor das vezes o homem burguês, é a segurança sobre como lê e sobre o que é lido. Aquele é o seu ambiente, em que intrusos aos poucos penetram, mas ainda não o suficiente para chacoalhar seus paradigmas. Já a atitude desejável do cientista social, principalmente o 'selvagem', quer dizer aquele que o é por habitus e não por formação, é a da dúvida, não a da certeza. Buscar elementos de fora da mídia é fundamental para garantir alguns parâmetros de leitura.  Livros, estatísticas, realidades distintas. Tudo isto pesa para quem lê. Como de praxe quando se ampara na dúvida, e não na certeza, a arrogâncias que se cedimenta na certeza também arrefece (ou deveria).Assim como em outros aspectos da vida, um tempo de afastamento te dá um outro olhar sobre algo que parecia familiar. A dinâmica frenética das notícias chegando fresquinhas em casa, cheias de obviedades transbordantes produz uma atmosfera muito familiar. Os bem-informados são às vezes somente aqueles que se entregaram a um fluxo incompatível com a reflexão. Por mais que nos entreguemos a este fluxo, é bom desconfiar de si e tudo por vezes. Nem que seja para fazer como Descartes, que voltou cheio de certezas da cabana onde se refugiou para dirimir suas dúvidas. Mas ao menos fica claro que os parâmetros construídos para absorver algo foram construídos, houve esforço. Assim dá até para ver alguém de opinião diametralmente oposta e dizer: "não concordo com você, mas sua construção, que belo edifício!"

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Inaugural: uma palavrinha piegas



Por que paisagem estripada, ainda mais se exibo esta idílica pintura? Uma palavra sobre ela. Ninguém me tira a impressão de que Curitiba, aquela cidade que habita minha idílica memória, tem um algo de eslavo. Mas o idílio de Chagall foi aniquilado durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente durante a Shoá. Sou sensível à paisagem. Paisagens belas, mesmo que da memória ou da imaginação, mexem comigo. Nunca se sabe; paisagens podem ser estripadas. Sonho com paisagens naturais e humanas mais cálidas e cheias de beleza do que estas que por ora encontro aqui, em São Paulo. O mais belo é poder ser um com a paisagem, não se apartar dela, como já havia notado o caminhante solitário. A paisagem é a heroína silenciosa das obras que aprecio. O palco das aventuras humanas. Estejamos atentos.