quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

e se as moças forem idôneas? (mais sobre Assange e crimes sexuais)

Em seu aguardado post a Lola Aronovitch preferiu acreditar nas moças, que teriam alegado que Assange se nega a interromper uma relação sem camisinha.


Como escrevi lá,  o pressuposto  é para tod@s que não sabemos mesmo o que aconteceu. Só nos restam conjecturas. Lola resolveu acreditar nas moças, o que também é um caminho possível e provável. O que não podemos admitir - feministas e progressistas - é a lógica torta, que se vale de situações sem nenhuma clareza e de grande complexidade para 

1) invalidar o feminismo ou

2) invalidar a ação do wikileaks


quarta-feira, 8 de dezembro de 2010

Assange e a acusação de crime sexual

Anteontem, coincidência ou não, irrompeu entre mim e o André (apenas assim) uma longa discussão sobre o termo 'feminazi' no blog do Nassif. Durante a minha ausência umas tantas mulheres e alguns homens vieram ao meu socorro, outros tantos se posicionaram a favor do André, e portanto deste malfadado termo. O que pode ser conferido aqui 
Coincidência mesmo, meu namorado e eu ontem traduzimos um texto em inglês escrito por Assange poucas horas antes de sua prisão, com o intuito de divulgar no blog do Nassif as idéias desta figura que agora acompanhamos com muito interesse, e eu em particular, já que sou crítica aos abusos das grandes máquinas estatais, que não cansam de matar milhares em nome de interesses duvidosos. O texto pode ser lido aqui
Coincidência ou não, hoje vem à tona (pelo menos para meu conhecimento, e dos leitores do blog do NAssif), o conteúdo das acusações das duas mulheres suecas contra Assange. Gostaria de lembrar que, mesmo que Che Guevara, Zapatero, Lula ou insira aqui o nome que você acredita poderia ser considerado um ícone da esquerda, fosse de fato responsável por um crime contra a mulher, eu jamais hesitaria em condená-lo pelo que ele realmente fez. No caso que envolve Assange e as suecas, aparentemente a questão está sendo usada para incriminar o fundador do Wikileaks. E é com este pressuposto que escrevi o post abaixo, já que a plausível má-fé de Anna levou o termo feminazi aos top ten de novo. Em caso de Assange realmente ter feito algo errado, muda toda a constelação. Aí vai o post escrito hoje há pouco, lá, cujo original se encontra aqui.  

Uma coisa é uma coisa, e outra coisa é outra coisa. 
Homens e mulheres de má fé há incontáveis no mundo. Homens e mulheres que trabalham para a CIA também (mais homens, diga-se de passagem), também. 
A mim parece que, se se confirma que a Anna Ardin de fato montou esta presepada por má fé, a despeito de sua auto-declaração, não pode ser jamais considerada feminista, pois agir em egoistamente em interesse próprio não é ser feminista. Ela não representa nenhuma corrente do feminismo que defende vingança ao gênero masculino por meio de falsas acusações sexuais. Aquilo pelo que as feministas mais lutam é que os milhares de abusos reais sofridos por mulheres sejam levados a sério. Nada seria mais contra-produtivo. 
As referidas leis suecas (não se poderia transar com duas mulheres na mesma semana), se existem mesmo, definitivamente não estão ancoradas em pressupostos feministas, mas antes possivelmente em pressupostos puritanos. Entre em qualquer comunidade feminista do orkut e peça para que as mulheres delas julguem esta lei. Todas dirão em coro: absurda, risível (as lésbicas e bi ficarão tanto mais atordoadas por não poderem transar com duas moças na mesma semana). 
Nunca é demais pedir que prevaleça o bom senso. Parece haver um círculo de homens (e algumas mulheres também) que está à espreita para bradar "feminazi" ao menor deslize que uma mulher cometa em nome do feminismo. É esperto de criminosos corriqueiros correr atrás de uma bandeira popular como salvaguarda, e definitivamente não é a primeira vez que isto aconteceria. Mas isto invalidaria a luta pelo fim do apartheid? pelos direitos civis? pela independência da Índia? Não, este fenômeno não 'nazicifica' o movimento. 
Digo mais: se é fato que a moça trabalha para a CIA, e que não houve entre ela e Assange nada além de intercurso consentido, então me parece engenhoso por na boca dela que ela seria "feminista" (ou escolher alguém com este perfil para cooptar). 
Matam-se assim dois coelhos com uma cajadada. O Assange e a reputação do movimento feminista. Como se estes dois termos fossem opostos, como se não pudesse defendê-los ao mesmo tempo. É a velha tática de dividir e confundir para dominar. O feminismo pertence ao espetro progressita/ de esquerda e este espectro não faz sentido sem o feminismo (não passaria de pura hipocrisia). E a CIA quer a esquerda e o progressismo fragmentados. Quer que movimentos sociais sejam tomados por terroristas. E movimentos feministas tomados por nazistas. 
O termo 'feminazi' tem como único intuito de confundir e dividir. Jamais nos esqueçamos disto. 

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Os dados vazados pelo wikileaks devem ser levados a sério?

Quem irá duvidar de que são verídicos os fatos "revelados" (ver post abaixo) pelo wikileaks depois da irritação generalizada, ameaças e caras feias dos  ministros das relações exteriores de tantos países pró- EUA?

Não teria sido melhor desacreditar? Acontece que agora todos nós já temos certeza do que sempre soubemos.

Wikileaks revela tudo que já sabíamos

As extraordinárias revelações da wikileaks revelam aquilo que já se desconfia, quando se estudou história a partir de uma perspectiva de esquerda. Israel pressiona para que EUA invadam o Irã? Não diga! Estados Unidos sabe claramente que Honduras sofreu um golpe, porém não faz nada? Não diga!
Obama procura negociar com o Irã, mas sofre resistência interna? Não diga! EUA investigam a fundo a vida do Secretário Geral da ONU, em busca de pistas de posturas anti-americanas ou, em outras palavras, a ONU deve servir aos interesses dos EUA? Não!!!!!!!!!! Não pode ser!!!!!! A lei anti-terror deve ser aplicada também a movimentos sociais, tais como o MST? Juuura?!!

E assim vai. Vazamentos como o do wikileaks nos deixam menos especulativos e mais seguros. Mas igualmente certos. O nosso mundo é filho daquele mundo da Guerra Fria, das Republiquetas de Bananas,  e das guerras justificadas com a ajudinha de grandes aparatos ideológicos. Aí uma novidade: a mídia assumiu o papel que antes era do Estado.

domingo, 28 de novembro de 2010

como se definem as posições políticas?

Há muita gente que adoro e respeito que torceria o nariz para o post que agora se escreve. o problema é que adoro provocar quem eu adoro e respeito, então vamos lá.

Já se perguntou de onde nascem as suas concepções políticas?

"Do meu raciocínio", argumentam muitos. Para eles, é por meio da lógica que chegam às suas conclusões políticas. Este tipo de visão sobre o assunto, se não matizado, tende a levar a uma postura pouco interessante sobre a diversidade dos pontos de vista políticos, além de tendências ególatras também. Vejamos: se eu uso do meu raciocínio, livre pensamento para escolher meu candidato, ser pró ou contra descriminação do aborto, pró ou contra esta ou aquela política pública, então quem não está do meu lado... não raciocina direito! Levada às últimas consequências, esta visão poderia descambar a) na ideia de que alguns iluminados entendem de fato o que se passa e o que é correto, e o resto é burro mesmo, em vários níveis talvez, ou b) se ficarmos no bar ou na academia ou onde for discutindo ad nauseum, um belo dia todos sairão com as mesmas concepções. Mesclas destes dois modelos também são possíveis. Exemplo: os inteligentes se entenderiam ao fim de uma longa discussão (talvez dois séculos seriam suficientes?), mas os burros se degladiariam até o fim, ou insistiriam em sua burrice após cansar-se da controvérsia.

Superhipersociologicamente alguns poderiam argumentar que é nossa posição social, talvez aliada ao percurso de vida, que forma as concepções de cada um. Digamos, alguém é... pequeno empresário, filho de imigrantes, é branco, sofre com as oscilações políticas, etc e mora no Estado de São Paulo, em uma região conservadora. Qual a chance deste indivíduo ser tucano? Muito, muito alta. É claro que escapa a esta visão o que os 10 ou 30% de homens brancos na mesma situação fazem para não ser tucanos. Ou então não escapa. Talvez alguém padeça de um ser delírio sociológico e acredite que, uma vez dadas e analisadas todas as condições concretas de vida, o meio, as influências, etc, não haja erro para determinar se uma pessoas vota em partido x ou y, se apoia esta ou aquela política. Este hipersociologismo, que eu espero não se confunda com uma bela e boa sociologia, poderia dar conta de momentos de indecisão? Até a indecisão política seria passível de ser detectada, segundo este esquema? E as grandes mudanças de humores políticos, como seriam interpretadas? Há no país 50% de pobres (dado fantasioso), mas numa eleição votam em um canditado, noutra em seu maior opositor. E nada substancial mudou na estrutura da sociedade ou na vida das pessoas. As flutuações políticas, muito baseadas em argumentos, ou pelo menos em discursos, que apresentam argumentos mesmo que não necessariamente aqueles entendidos como os mais racionais, escapariam ao hipersociologismo. Ou então dedicar-se-ia um setor especial, de sociologia um tanto mais mística, mais astrológica, a esta questão dos discursos. Mas mais uma vez seriam mais as influências, a história prévia, as condições concretas de vida que determinariam a boa ou má recepção deste ou daquele discurso. O raciocínio do indivíduo, sua avaliação própria, estariam novamente fora do mapa.

Estas duas caricaturas parecem até engraçadas, mas como as caricaturas são, deixam você reconhecer discursos mais complexos que, no final, tem uma das duas alternativas como pano de fundo.

Então como, afinal, se formam as nossas posições políticas? Em algum lugar entre estas duas caricaturas. (Para simplificar a questão, pois haverá sempre pessoas prolixas para dizer que estou me baseando em uma falsa antinomia individuo - sociedade, etc. OK, pode ser, mas é didático e é para construir um raciocínio).

Em breve um estudo de caso in loco, baseado em uma indecisão minha. Hasta la vista.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Counterfactual history

No sábado passado tive o privilégio de almoçar com o professor Fernando Novaes. Quem é um pouquinho familiarizado com história do Brasil sabe que o Sr. Novais é nada menos do que uma sumidade. Sorte a minha! Lá pelas tantas especulamos sobre o destino do professor Rogério, caso este tivesse feito seu doutorado 20 anos antes. E o professor Fernando jogou no ar: E se... o Sul dos Estados Unidos não tivesse abolido a escravidão? E se... o cristianismo não tivesse sido tornado religião oficial do Império Romano por Teodósio, em 380 d. C.? O que eu pensaria de uma história escrita assim, a partir de conjecturas, perguntou a mim. Excelente! - disse eu. E emendei: seriam fantásticas perguntas para estimular a criação de um romance, de uma ficção, pois havia tomado "história" em seu sentido amplo. E assim salvei meu lindo couro. Pois por pouco o professor entende que, de maneira semelhante a alguns departamentos de história nos Estados Unidos e na Itália, eu aprovo especulações desta natureza como História, a disciplina.


Non! Je ne suis pas fou!

 Pasmem: segundo a confiabilíssima fonte, teses de doutorado, às vezes acompanhados de calhamaços de estatísticas,  são produzidas a partir de perguntas assim, "o que teria acontecido, caso....".   E tanta gente séria sofrendo sem bolsa no Brasil : (

Passado o espanto (e indignação) inicial com estes loucos, posso me divertir com o tema. Na verdade, gostaria de propor uma perguntinha para historiados em terras distantes que serão pagos com o dinheiro do contribuinte local e, por vias indiretas, um pouco por nós (à medida que o lucro das empresas estrangeiras é repatriado de tempos em tempos).

 E se... todas as aventuras de Asterix tivessem de fato ocorrido?



O que seria de nós agora, ó ilustres historiadores? 
(Favor demonstrar com ajuda de fartas estatísticas, gráficos e tabelas).

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

seleta comemoração

Infelizmente a comemoração da vitória da Dilma na Paulista contou com poucas pessoas. Infelizmente, porque gostaria de ver mais gente empolgada e feliz. Mas havia gente empolgada e feliz. E uma clima muito legal. Talvez a vantagem de terem sido não muitos a ir comemorar. Havia famílias, muitas mulheres e lindíssimas senhoras. Destas últimas, pedi para tirar uma foto e elas consentiram. Pena que minha câmera é ruinzinha e eu para manejá-la não faço milagres à noite.



 Então ficou tremidinha assim. Festança também é cultura. Fui pedir autorização para postar minha foto tremida no blog e apredendi que a senhora ao fundo, a menos nítida de todas, Bia Pardi, foi a sub-prefeita de Pinheiros na gestão da Marta. Estava lá também o Sakamoto, do blog do Sakamoto. Considerei tietar, mas deixei. Na festa, uma alegria serena e descontraída. No asfalto, rancor tucano. Eventualmente um ou outro simpatizante de Dilma entrava na pista destinada aos carros (só uma estava fechada para comemoração) e a tucanada respondia metendo o pé no acelerador e dando cavalo de pau. 

Engraçado. Eu ficaria muito frustrada com a vitória de Serra, mas jamais me passaria pela cabeça acelerar com pessoas na pista. Não foi um ou outro carro não. Foram alguns.

nova ortografia e uma pergunta cretina

se alguém se chama, digamos, Andréia, e o nome da pessoa foi corretamente grafado pelos pais e pelo escrivão (só isto merece um viva!), mas agora o acento neste caso caiu e então...

a) o acento do nome cai automaticamente

b) fica-se com o acento, agora errado

c) nunca gostei deste acento mesmo

d) que questão mais cretina

Pinto d'ouro: categoria blog do Nassif

É assim a vida, minha gente. Nos blogs ditos progressitas tá cheio de macho convicto de que mulher serve para rebolar para ele, ser gostosa para ele e ainda cozinhar para ele. Com a vergonhosa conivência do sr. Nassif, que abriga este tipo de comentário de baixo nível e sem nenhum propósito no site dele.

Ao Nassif mesmo, pelo conjunto da sua obra, não darei o prêmio. Crio apenas uma categoria para ele!

E o feliz ganhador do Pinto d'ouro categoria blog do Nassif é... ou então, melhor dizendo...


And the golden Penis goes to...

um tal de jotaroberto pelo belíssimo post a ser verificado aqui: http://www.advivo.com.br/blog/luisnassif/a-bombshell-jennifer-lopez

sábado, 6 de novembro de 2010

ando em love

Ah, o amor é lindo! Deixem-me curtir feliz minha lua de mel com a presidenta Dilma.

Atribulações virão. Decepções também. Quando não é a primeira vez que você se apaixona, sabe-se disto. E faz votos mesmo assim, a não ser que seja um poço de amargura.


Há dois anos eu acreditava que levaria mais 100 anos para termos uma presidente mulher. Há dois anos eu acreditava que a geração que resistiu à ditadura não ocuparia postos-chave. Que a história do país não seria revista, amplamente, no bom sentido. Há 10 anos eu jamais imaginei que o PT teria três mandatos consecutivos. Jamais imaginei que o Brasil teria coragem e condições de explorar a posição que lhe é digna no cenário internacional. Não imaginei três governadores de São Paulo poderiam ser derrotados para a presidência (pausa para o gostinho especial, slep!). Não imaginei que, não da maneira como concebeu, mas que de certa forma a desigualdade regional, o "imperialismo interno" acusado por Celso Furtado caminharia para se reverter...
Jamais! Vivi uma adolescência politicamente tão medíocre que não gosto nem de lembrar. Eram os tempos de hegemonia da Disney, para adultos e crianças. Muitos de meus conhecidos e colegas estagnaram naqueles anos de ouro fajuto. Era uma sensação bizarra. Como tentar velejar em um lago sem vento. Não parecia haver direção, saída. Praticamente o que havia era a utopia dos loucos, dos outsiders. Mas agora, assim como milhões, posso dizer, agora me sinto confortável no meu tempo. Acho que quando eu disser para os meus netos "no meu tempo..." não será a década de noventa (cruz credo!). Será esta agora que finda, esta agora que começa. Estar em sintonia com o seu tempo... é como ser um labrador na água! É como uma criança no parquinho! É como... tudo aquilo que se encaixa. Dilma não viveu os torpes anos 90 e sim coisa ainda pior. Podia facilmente ter sido subtraída de seu tempo. De sua vida mesmo. E graças a pessoas como ela, que se negaram a aceitar um tempo, que imprimiram sua vontade ao tempo, que aqui estamos. Que as forças celestes me previnam de me ver de novo, a mim e a tanta gente progressita neste país, destituída do próprio tempo.  Os reacionários podem ir a Miami. Eu ficarei com os meus anos, aqui. E, por hora, em love.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

Sobre Postes e Postes

Um dos bordões que deveriam descredenciar a candidata do PT nestas eleições é a de que ela seria "um poste". Confesso que demorei um pouco para entender o que seria "um poste". Estava mais acostumada com figuras como o boneco de ventríloco, ou como a marionete. Aliás, marionete não teria emplacado mais? Afinal, postes não falam. E Dilma fala. Marionetes e bonecos de ventrílocos representam papéis estipulados por outrem. A dissolução deste estigma wanna-be (ao menos para o público que tem o mínimo de empatia com as transformações que estão se dando no Brasil e com as mulheres) aconteceu, na minha opinião, em parte no horário político eleitoral, quando, acertadamente na minha opinião, optou-se por não engessar demais a candidata. Sequer os "achismos" dela foram editados. Editados! Quer dizer, no vídeo editado você pode recortar os candidatos, assim como os fatos, a seu bel-prazer. E a
opção não foi esta. Aquela história de "acho isto, acho aquilo" foi a primeira que me irritou. Parecia-me um sinal de insegurança onde não poderia haver alguma. Perdurou por um tempo... e foi embora. Esvaneceu-se em meio à impressão de sinceridade e à identificação com o projeto político. Acredito que se eu tivesse identificação com a proposta política de Serra veria o seu sorriso aterrorizador apenas como um charme excêntrico. Mas como este não é o caso... Tudo isto para falar do poste. Cadê o poste que estava aqui? Dilma acertadamente bateu na tecla que apontava a incoerência lógica do adversário, que ora a apontava como terrorista maquiavélica, ora como objeto inanimado. Não teria sido melhor pintá-la como "a sonsinha da guerrilha"? Ou então apenas como o demônio disfarçado de gente, que manipula até o presidente Lula? Creio que a Dilma caricata talvez pudesse ter feito mais sucesso como vilã de novela. Mas os dois, ao mesmo tempo, é difícil.
É claro a incoerência proposta pela oposição tem suas raízes estruturais, por assim dizer. Qualquer mulher cai potencialmente bem no papel de vilã de novela. Bruxa destruidora de lares. Por outro lado, nunca tem autonomia suficiente, intelectual, política, a não ser, é claro, a autonomia de prejudicar os outros por puras vontades  irracionais, que em nada se parecem com o desejo de poder legítimo, óbvio, natural e sacralizado do homem. Ou seja... à mulher cabe também o papel do poste. De laranja natural do projeto de algum pintudo.

É por isso que cheguei a temer, quando da súbita, bizarra e reprovável candidatura Weslian Roriz que este fosse um golpe simbólico mais do que apenas um golpe roriziano infantil. Ao expor Weslian como a eterna poste, a eterna falta de autonomia feminina, o segundo sexo, o poste sem luz, Roriz falaria "no fundo, são todas iguais e todas nos pertencem, cada uma delas a cada um de nós". Mais distante daquele momento, pude proclamar aliviada a minha paranóia. Não chegou a meu conhecimento que Weslian fosse igual a Dilma. Acredito que os detratores se encantaram mais pela Dilma destruidora de lares, e deixaram o estereótipo da dona-de-casa inepta e apendicular de lado.
Não vinha de Roriz, pouco antes e pouco depois de pleito, o ataque simbólico que eu esperava. Mas vinha do Estado de São Paulo. "Presidente 'de fato' da Argentina morre", dizia quando do falecimento de Kirchner. Fiquei pasma com a cara-de-pau do veículo. Depois do pleito: "Lula vence outra vez". Em menos de 10 dias as duas maiores mulheres da América Latina (quem sabe de sua história inteira) eram jogadas no lixo. Não era uma questão de dar a César o que é de César, enfantizando o papel de Nestor e Lula na eleição de ambas. Era um puro "vocês não existem e não tem mérito algum". Algum. Lendo o Estadão tem-se a nítida certeza de que cristina foi eleita porque havia um impedimento legal para que Nestor o fizesse, o que não foi o caso. O casal decidiu lançar a candidata, assim mesmo. No caso de Lula e Dilma, em que havia um impedimento legal, ele não lançou sua esposa Letícia, que seria certamente a Weslian da história. Mas uma mulher duas vezes ministra. Isto não parece fazer diferença para o Estado, para quem todas, afinal, são segundo sexo e ponto.

Para finalizar a questão, que não é trivial nem pouco, falo de um verdadeiro poste que tive o (des)prazer de conhecer. Ou melhor, a boneca de ventríloco, dado que discursava pelos cotovelos. Quem compartilhou comigo do ambiente político da UNICAMP na primeira metade da década que se despede em breve saberá a quem me refiro. Nomes não são necessários. Necessária é a história. De dois machinhos ególatras, carinhosamente apelidados de Trotsky e Stalin, e que elegeram "uma mulher" para vereadora da cidade de Campinas. Primeiro costuraram sua candidatura no interior do grupo que apoiava uma perspectiva de universidade que mesmo hoje, traumas políticos à parte, não abandonei. Fizeram-no da seguinte forma. Conversaram com cada qual, perguntando o que se considerava da candidatura. Não com todos, mas com a maioria. A minoria julgada menos importante teria de fato uma surpresa durante a reunião em que a questão seria 'debatida'. Mostrei-me refratária não ao projeto em si, mas à falsa democracia e ao falso respeito. Na época, procurei articular um grupo que contestasse o ignomínia do processo. Mas o grupo tinha anseios diferentes e também percorreu caminhos diferentes, estilhaçou-se sem conseguir fazer frente ao núcleo manipulador e continuar "a luta". Ou então conseguiu, à sua maneira, de certa forma recomposto tempo depois. Mas aquele não era o seu tempo, para o meu desapontamento, mas que eu tive de respeitar, porque querer "acelerar o processo" é muitas vezes o nome que se dá a estes tratoramentos em nome de algum projeto.

Por que o "poste" feminino era o sonho de consumo do machinho maquiavélico (na sua acepção menos nobre)? Porque poderia explorar sua imagem política e até mesmo sexual (a candidata foi visivelmente sexualizada durante a campanha) sem ônus próprio. Porque dava uma carinha de progressismo (vejam, uma jovem líder mulher de origem pobre!) a um projeto que se autointitulava de esquerda, mas aquela esquerda que não acha que a igualdade se forja no processo nem que vale tanto quanto para as mulheres. Porque em caso de sucesso político, se viria com o poder nas mãos. Mas no caso de fracasso poderia ir vampirar outro poste. A mulher em questão não era desprovida de méritos. Mas eram os méritos típicos das mulheres tradicionais: a cooperação irrestrita que sinaliza a subserviência, a tomada de projeto alheio como se fosse seu, e o quase orgulho em exercer estas funções.

Alguma moral da história? Apenas indicações. Não recusemos bons quadros mulheres só porque bizarramente representam uma exceção em uma estrutura dominada por homens (o número de 90% de parlamentares do sexo masculino indica isto). Mas o fato de a estrutura ainda ser tão desfavorável faz com que haja mulheres de várias procedências no jogo político. Mulheres neste caso representam não uma unidade e uma identidade, mas o avesso uma da outra. Encarnam, cada qual, uma das facetas das contradições do processo lento, conturbado e cheio de idas e voltas da nossa emancipação.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

Troféu Pinto D'Ouro

Esta postagem inaugura a premiação do troféu "Pinto D'Ouro" para personalidades mais ou menos VIPs, intuições e coisas até. Com esforço e afinco, qualquer um pode levar. Para isto basta provar por meio de uma atitude, frase, discurso ou símbolo que o grande Pinto é o centro do universo. Que tudo gira em torno dele. A Terra, os astros, e principalmente os seres destituídos Dele mesmo, o grande Pinto, e dotados de míseros órgãos que, podendo ser descritos como lindos, incríveis, mágicos, contanto que conheçam e sirvam o seu senhor, o resplandecente dito cujo.

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

em resposta à exaltação dos pornógrafos de ouro

publicado como resposta à exaltação dos pornógrafos de ouro no site do nassif, hoje, por ocasião da morte do fundador da Penthouse


Não são só os puritanos que comemoram não. as e os feministas comemoram também. Não por serem puritanos, pelo contrário. Mas por entender que as relações sexuais devem se dar consensualmente, entre adultos e com igualdade entre gêneros. Você já parou para refletir por que praticamente só há revista/ filme, etc. pornográfica voltada para o público masculino? Comemorar este senhor que morreu  e Larry Flint como libertários é mais uma evidência da lógica torta que impera nos EUA e inclusive em um espectro amplo da 'esquerda' brasileira. É natural, dirão tantos, que seja o corpo da mulher a ser explorado. Que seja ela a ser retratada primordialmente como uma carne que deve servir aos anseios daquele dotado de falo. Afinal, 'a beleza está na mulher'. Afinal, o homem, sujeito ativo, é 'quem come', é 'quem consome', nunca que é objeto, nunca que é consumido, nunca que é comido. Ora, dirão de novo, 'isto é da natureza das coisas'. E assim contentam-se felizes em apoiar esta indústria que faz de mulheres carnes e de homens caçadores. Parabéns a todos os homens esclarecidos que enchem a boca para falar que votam em Dilma mas não admitem nunca que a mulher saia de sua subordinação sexual. Que não conseguem se relacionar com a mulher como igual, pelo menos na cama. Parabéns aos homens que não precisam estremecer, pois mesmo quando uma mulher está a se tornar presidente da república, tem seu lugar de macho garantido, cômodo. Ora, dirão, de novo, feministas são puritanas. Claro. É muito saudável se convencer com este argumento, não conseguir distinguir nada, e falar isto de quem encampa e encampou, historicamente, a descriminalização do aborto, as mudanças estruturais na família e na cultura sexual. Muito saudável para manter o seu lugar esplêndido e imaculado, cujo centro é o falo. Mas nos vamos comemorar mesmo no dia em que estes papéis tão estáticos, tão conservadores em relação à longa história da subordinação feminina, não fizerem mais sentido. Aí religiosos de todos os espectros que cultivam a dupla moral tão amada pelo falo, se sentirão deslocados do planeta.  

terça-feira, 19 de outubro de 2010

é nas eleições que gatos de todas as colorações saem de suas tocas...

Há tempos venho cogitando montar um blogzito, e sempre tropeço por achar que 'não teria meu nicho', já que alguns excelentes blogs suprem em boa parte tudo o que eu acho que deve ser dito (e também são devidamente visitados- alguns deles eu sigo). Também me pego pensando às que eu faria melhor se apenas acompanhasse estes e outros meios, e aprendesse mais do que me expressasse. É claro que repensei a questão umas outras tantas vezes em que não me senti contemplada por nenhum deles. E agora, José? (ainda no significado antigo e universal que esta expressão tinha antes das eleições). Mas foi o pleito de 2010 que definiu que eu finalmente encamparia escrever um pouco e não só reter meus pensamentos para mim. Tive uma vontade enorme de me expressar. Em um primeiro momento, devido aos e-mails apócrifos difamatórios que circulavam impunemente na "lista de discussão" da família, que virou um palanque da direita sórdida que faz as vezes de cães de ataque para o PSDB. Note-se que a lista, em princípio, não tinha qualquer cunho político. Já vinha, claro, servindo de meio de propagação a pessoas deselegantes, que se veem no mais pleno direito de encher a caixa postal dos outros de escritos muito duvidosos, escritos via de regra em letras garrafais, cores berrantes e fazendo uso extensivo de pontos de exclamação.  O estilo por si já me intrigava e irritava antes. Não acredito que algum analista de discurso ou estética não interpretasse a mera escolha destes traços como um autoritarismo, uma vontade de imposição. Que, devo deixar bem claro, é diferente de uma vontade de convencimento. Ainda por cima, havia a questão da lista. "Pô", eu pensava, "será mesmo que este cara não percebe que ele invade o espaço daqueles que não concordam com ele, ou que simplesmente não querem receber assuntos políticos em um espaço não político ou simplesmente não concordam com o jeito autoritário de expressar pensamentos?" É relevante frisar que a voz dos "repassadores" de e-mails, sua própria voz, jamais se fez ouvir. E o diálogo supõe alguma igualdade entre os interlocutores. Sei que há pessoas no grupo descontentes com a atitude unilateral e bonapartistas dos ditos cujos membros. Mas não sei se há membros simpatizantes do espectro político progressita que até agora silenciaram... Acredito que eles possivelmente existam, embora possivelmente em pequeno número, dado justamente o perfil sócio-econômico e geográfico dos integrantes da lista. Fato é que ninguém, entre numerosos membros, ousou repudiar a atitude acima descrita, de abuso de lista familiar e incentivo à difamação apócrifa. O que, por outro lado, não é supreendente, porque, de novo, e-mails deste gênero não dão espaço para o diálogo. São pura vociferação de supostas verdades ululantes. 
Montei o blogzito quando percebi que havia pessoas com as quais eu gostaria de conversar amigavelmente sobre o pleito (a maioria de posição oposta a minha), mas que a conversa um a um tomaria um tempo imenso. Também por que fiquei um pouco assustada porque tive a impressão de que muitos tomaram por óbvia minha adesão ao projeto tucano, e com isto mostraram um grande desconhecimento de mim. Ou então me mandaram e-mails apócrifos difamatórios, sim, especialmente direcionados a mim, e neste sentido mostraram-se incrivelmente distantes de saber quem sou. É curioso como, durante o convívio cotidiano, pouco se discute sobre política, mas uma hora, e a hora é agora, ela acaba caindo no colo. Aqui, no "meu cantinho" ou "lar virtual" posso abrigar um espaço de discussão e comunicar minhas posições e pensamentos, sem temer me equiparar àqueles que são meu anti-exemplo em termos de discussão política, os famigerados repassadores de e-mails difamatórios, apócrifos ou simplesmente falsos e sem nenhuma base na realidade. Não só agora, mas daqui para frente. Porque gostaria de desfazer este 'gap' de percepção, e gostaria também de dialogar, em termos civilizados, obviamente. 

três cenas paulistanas em uma semana

No tempo de uma semana presenciei algumas cenas paulistas, não muito diferentes de tantas outras, talvez até bem piores. De qualquer forma, penso que são significativas. Na semana passada fui almoçar em um restaurante para o qual eu vou às vezes.
1.  Já na chegada percebi um cheiro muito fétido. O dia estava relativamente quente e o restaurante cheio. Perguntei porque não era possível abrir as janelas. "Por causa do cheiro", disse a moça. Haviam espalhado tanto lixo, de um mal-cheiro tão tenebroso na rua, que a escolha era: morrer de calor no restaurante, ou ter o seu apetite estragado justamente durante a refeição. Não faço ideia quem foi o autor da sujeira. Mas sei que resídios humanos de todos os tipos, caninos também, além de lixo são uma característica desta região a 2 ou três quadras do símbolo paulistano, a avenida Paulista. O que isto me diz? Não isoladamente, claro, mas no contexto desta cidade onde vivo já há três anos? Que tudo de imundo, fétido e feio nas ruas é aturado, contanto que o consumo permaneça intocado. Este é o espírito que percebo.
2.  O segundo episódio ocorreu hoje mesmo. E não foi desagradável. Andava pelas ruas do Itaim, exuberantes em sua riqueza, embora não para o meu gosto pessoal. Vi então um rio, eu diria até bastante caudaloso por se tratar de um 'rio de rua'. Ocupava a largura que vai dos pneus esquerdos aos direitos dos carros. Gostei do que vi, instintivamente, antes de raciocinar. Lamentei quando percebi há quanto tempo não podia contar com um elemento singelo deste no meu cotidiano como um rio fresquinho e limpo. E lembrei-me que ali, em plena rua, o tal rio não podia ser coisa boa. Havia chovido? Recorri a minha memória e me parecia impossível que o rio tivesse se formado por obra da natureza. Então lembre de outro riozinho, este 'menos caudaloso' que por muitos meses (talvez 18!) me intrigou nos jardins. Também lá o rio era de água cristalina. Na época lembro de ter chegado à conclusão, com ajuda de uma reportagem da CBN, de que se tratava de água desperdiçada pela construção civil. Limpinha... é possível que tenha sido o caso da água do Itaim também. Como pode, por tanto tempo não se reaproveitar esta água...!
3. Este episódio é muito banal. E ainda assim, significativo, a meu ver. Noutro ponto do Itaim eu procurei andar na calçada em um dia de chuva. Foi difícil. Por quê? Ora, porque volta e meia o meu guarda-chuva não "cabia" na calçada. Era exprimido entre as grades dos prédios e alguma árvore (na verdade às vezes palmeiras finíssimas). A frente de tantos prédios luxuosos do Itaim não comportam um... guarda-chuva! Naturalizamos isto, indo para a rua, que não é lugar de pedestre. Mas se não cabe guarda-chuva, não cabe pai com filho de mão dada, não cabe carrinho de bebê, não cabe a cadeira do cadeirante. Namorados também não cabem. Tem que passar em fila indiana. Isto porque estamos falando dos padrões civilizatórios demandados pelo luxo paulistano. Aquele que escala para a estratosfera em termos de consumo e que se orgulha o PSDB. Não me surpreende nem um pouco este tipo de opção da elite brasileira (ou melhor, paulistana). Mas segue me chamando a atenção, apesar do devido adestramento e acomodação que se sofre quando se opta por viver aqui.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

dança, aula e democracia

hein?!!! a maioria das pessoas, penso, preferiria atrelar dança à psicologia... eu, como boa homo siociologicus não quero me escapar da minha seara. Pois bem. Hoje a prof lindinha de dança começou a falar, falar e no começo tinha a ver com dança o papo todo. Mas num dado momento passou para os conflitos que aconteciam no grupo que ensaia para a coreografia de final de ano. E aí... foi difícil pôr um breque. Algumas alunas tinham ânsia de falar e... falaram! Sentiram que podiam falar. Não é muito raro isto? A tal prof lindinha ameaçou várias vezes ao aparelho de som, quer dizer, à rotina. Mas entendeu que a ânsia de falar não tinha se esgotado. E então, mais pro final, eu falei também. Que bom. Na minha avaliação é raro que alguém deixe que se fale, pois falar tantas vezes é visto como um 'desperdício'. A democracia, toda ela assim, corre o risco de virar um puro desperdício. E é na democracia, não a representativa, mas a cotidiana, que aparecem 'as psicologias', que são lindas, mas só existem socialmente. Na minha experiência, vejo que tantas vezes este momento de desabafo democrático é visto como importante, mas só teoricamente. Raramente existem pessoas, entre eles educadores, mas também em outros lugares, que acham que esta experiência vale o preço  que se paga por ela. Para mim vale cada centavo. É revigorante e colhe-se no futuro muito imediato e também no futuro longínquo este hábito de falar, expor, sem limitação de tempo, sem a pressão da rotina. 




PS.1 Não recrimino quem talvez tenha achado um saco a coisa toda. Há momentos. Tem dias que só quero dançar e não quero resolver ou expor nenhum problema. É difícil que os ânimos de todos se encontrem sempre. Para consolo de vocês, acho que foi bom para os outros, e a vez de vocês chegará :) 


PS2. Curiosamente nesta semana veio a público a dançarina chamada Sheila Ribeiro, indignada com a incoerência (para usar uma palavra bem light!) de Mônica Serra sobre o aborto. Mônica era professora no curso de dança da UNICAMP e teria contado às alunas sobre o trauma deixado no corpo por ter feito um aborto. Uma prática tão legal... e agora joga no lixo os traumas vividos por outras milhões de mulheres, transformando-as em criminosas contra a vida e ponto. Sinal de que só minha 'democracia dançarina' não é uma panacéia, hehe. 

sobre por quê dar um tempo na mídia às vezes

Já fui criticada por não dar "a devida atenção" aos meios midiáticos tradicionais. Vejo que para o meu pai e o meu avô, por exemplo,  leitura diária do jornal faz talvez parte da própria constituição do homem burguês, como o seu passaporte para a vida pública mais ampla, já que ser homem com alguma posição na sociedade já era por si só pertencer à vida pública. Não lê-los significa estar 'fora do mundo'. Curiosamente, todos partem do pressuposto de que sabem avaliar as notícias transmitidas. Elas não precisam de uma visão de mundo para ser lidas. A verdade é que inevitavelmente precisam, porém é a própria visão de mundo que parece não carecer de sofisticação. As notícias são cristalinas como água, e a visão de mundo de quem as consome parece ser transparente. Como pode haver engodos em uma realidade tão límpida? O comportamento que acompanha o tradicional leitor de jornais, mor das vezes o homem burguês, é a segurança sobre como lê e sobre o que é lido. Aquele é o seu ambiente, em que intrusos aos poucos penetram, mas ainda não o suficiente para chacoalhar seus paradigmas. Já a atitude desejável do cientista social, principalmente o 'selvagem', quer dizer aquele que o é por habitus e não por formação, é a da dúvida, não a da certeza. Buscar elementos de fora da mídia é fundamental para garantir alguns parâmetros de leitura.  Livros, estatísticas, realidades distintas. Tudo isto pesa para quem lê. Como de praxe quando se ampara na dúvida, e não na certeza, a arrogâncias que se cedimenta na certeza também arrefece (ou deveria).Assim como em outros aspectos da vida, um tempo de afastamento te dá um outro olhar sobre algo que parecia familiar. A dinâmica frenética das notícias chegando fresquinhas em casa, cheias de obviedades transbordantes produz uma atmosfera muito familiar. Os bem-informados são às vezes somente aqueles que se entregaram a um fluxo incompatível com a reflexão. Por mais que nos entreguemos a este fluxo, é bom desconfiar de si e tudo por vezes. Nem que seja para fazer como Descartes, que voltou cheio de certezas da cabana onde se refugiou para dirimir suas dúvidas. Mas ao menos fica claro que os parâmetros construídos para absorver algo foram construídos, houve esforço. Assim dá até para ver alguém de opinião diametralmente oposta e dizer: "não concordo com você, mas sua construção, que belo edifício!"

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Inaugural: uma palavrinha piegas



Por que paisagem estripada, ainda mais se exibo esta idílica pintura? Uma palavra sobre ela. Ninguém me tira a impressão de que Curitiba, aquela cidade que habita minha idílica memória, tem um algo de eslavo. Mas o idílio de Chagall foi aniquilado durante a Segunda Guerra Mundial, mais precisamente durante a Shoá. Sou sensível à paisagem. Paisagens belas, mesmo que da memória ou da imaginação, mexem comigo. Nunca se sabe; paisagens podem ser estripadas. Sonho com paisagens naturais e humanas mais cálidas e cheias de beleza do que estas que por ora encontro aqui, em São Paulo. O mais belo é poder ser um com a paisagem, não se apartar dela, como já havia notado o caminhante solitário. A paisagem é a heroína silenciosa das obras que aprecio. O palco das aventuras humanas. Estejamos atentos.